Post feito para o Blog Action Day 2011, sobre o tema “comida”. Para saber mais sobre o que é o Blog Action Day, clique aqui. #BAD2011
Tenho um espanhol na família. E, incentivados por ele, nós costumamos fazer em datas especiais (ou simplesmente um domingo qualquer em que julgamos que é um bom momento para celebrar a vida) uma paella lá em casa.
Quem já preparou paella sabe: o preparo é super demorado. Envolve a escolha e compra dos ingredientes certos, o corte e limpeza dos diferentes pedaços de peixes e carnes, o preparo do molho… Tudo com muito cuidado e carinho para, só então, começar a cozinhar e colocar na panela. A compra dos itens até a decoração final dos pimentões vermelhos na paella pode durar, com sorte, uma manhã inteira. Isso quando tem outras pessoas ajudando…
Minha avó, no alto da sabedoria que só as avós têm, sempre me dizia que o melhor da festa é espera por ela. Ali, naqueles domingos espanhóis, nossa família se sentava junta na hora da mesa para comer a paella, em clima de festa, sem saber que a festa na verdade já tinha começado bem antes, quando minha tia saía de casa munida da sacola de compras vazia.
Conto essa história porque o tema do Blog Action Day deste ano, comida, me lembrou uma discussão que assisti em sala de aula. Um professor nos perguntava quando uma batata virava comida. Sim, porque até você comê-la, ela ainda é uma batata. Depois que você come, ela é uma massa de carboidrato e suco gástrico em algum lugar do seu estômago. E a comida, enfim, é o que? Quando ela acontece?
A idéia da discussão era propor uma metáfora para outro assunto. Mas em dias de Blog Action Day, acho que a pergunta cabe aqui, sim.
Porque ali, na minha família, a paella estava longe de ser comida: era um pretexto. O papel dela, ali, é centralizar as conversas em torno de uma única mesa, promover a colaboração no preparo, dividir uniformemente o melhor momento para cada um falar (e comer). É como se a gente precisasse da comida para criar uma solenidade – a paella elevava o encontro a um ritual. Se ela não existisse, a família continuaria a curtir o momento do mesmo jeito – mas talvez sem a mesma reverência.
E aí eu estendo a pergunta do meu professor para vocês. O que é comida para você?
Como viajantes que somos, a comida – ou que quer que ela seja – é praticamente parte do roteiro. Impossível pensar em viajar para a Argentina e não experimentar um bife de chorizo, ou acabar-se nas massas quando na Toscana, ou ousar num petisco de gafanhoto na China. Comida nessa hora não é comida: é moda, é experiência, é diversidade cultural, é até artifício para cantada ou remédio para larica, se quiser. Mas convenhamos: sacia mais as fomes de espírito que as do corpo.
Comida quando leva requinte vira gastronomia. Que é também é sinônimo de prazer – daqueles em que a gente quer agradar olhos, paladares e olfatos numa tacada só.
Mas quando é simples, vira arte. Porque virar-se com o que se tem à mão e ter o dom de, literalmente, transformar o limão em limonada, não é para qualquer um. Como é o caso de um cortador de côco da praia de Boa Viagem, em Recife, que vende os chamados “côcos com arte” (se quiser saber o que é um côco com arte, clique aqui!). Ou quando estava indo de carro de Recife a Natal, lá pelos idos de 1998, e a fome bateu quando estávamos em frente a uma casa de pescador cujo dono havia transformado em um humilde restaurante – em frente a uma praia dessas de difícil acesso. Tão difícil que, descobrimos na hora, não havia nenhum encanamento de água próximo. A única fonte de água doce existente, ali, era de poços razoavelmente distantes e nada confiáveis. Era – pergunta alarmante – com essa água suspeita que eles cozinhavam? O pescador sorri: “Oxi, não, o que tem aí é um tiquinho de nada, num dá não. Se a gente quiser cozinhar, só dá para usar isso aqui, ó”, e aponta para imenso mar de coqueiros que nos circundava, carregadíssimos de fruto, até perder de vista. Comemos um arroz, um pirão e peixe cozidos somente na água de côco. Entrei buscando comida e saí certa de que tinha encontrado um tesouro.
E hoje, infelizmente, a comida que une também separa. Porque viajar é bom, mas também nos lembra daquela noção de mundo que a gente esquece no dia-a-dia, de que o mundo também não é só flores, e que algumas pessoas que te importunam querendo vender bugingangas, não querem só se aproveitar do seu bolso – elas querem, assim como você, comer. E, quanto mais pobre o lugar que se visita, maior a diferença entre você e ela – medida, facilmente, em quantidade de refeições ao dia.
Aí eu vou lá, compadecida, e compro ou dou alguma coisa para alguém. E fico absolutamente ciente de que eu não resolvi o problema. Porque a comida que eu dava não era comida – era esmola. E, no final, é a pessoa que come e eu que me sinto mal.
Sei que não cheguei nem perto da melhor resposta para a discussão que o meu professor propôs. Mas concordo que, seguindo o raciocínio da batata, a comida não é um fim em si mesma. Talvez porque, ao invés da gente explicar o que é a comida, a comida explica o que é a gente.
Eu passo a pergunta. Peço ajuda aqui aos universitários para discutirmos. Mas lá no fundo, desconfio que o cara que disse que “Você é o que você come” tem mais razão do que a gente imagina.
Eis outros blogueiros viajantes bacanérrimos que também participaram da Blogagem Coletiva do Blog Action Day:
Andarilhos Mundo (Gleiber Rodrigues) – Degustando culturas – http://bit.ly/r40W5m
Viaggiando (Camila Navarro) – Blog Action Day 2011 – Food – http://bit.ly/rsUuzs
Dicas e Roteiros de Viagem (Carolina Rodrigues) – Blog Action Day 2011 – http://bit.ly/pMM0BW
Aventura Mango (Jodrian Freitas) – Saboreando a viagem – http://bit.ly/opG0mB
Viagem e Viagens (Clarissa Comim) – Blog Action Day 2011: Comidas pelo Mundo – http://bit.ly/quS6ZC
Pelo Mundo (Mari Campos) – Slow Food – A Toscana é O lugar para isso – http://goo.gl/8HZ6O
Uma Malla pelo Mundo (Lúcia Malla) – Comida Automatizada – http://goo.gl/9Mx4X
Vida de Turista ( Thiago Busarello) – Comida e o turismo – Blog Action Day 2011 http://bit.ly/oxHqE7
Dando uma humilde opinião, acho que a comida se torna “comida” depois de “preparada”. Quando está ali servida à mesa, sendo distribuída nos pratos, pratinhos e copos. Ali, o ritual que levou tempo e anos de história/tradição para ser criado se manifesta concretamente em poesia, arte, deleite. E ela só “vive” até ser deglutida. Depois, passa a ser suco gástrico, coalho, excrementos. Efêmera!
Adorei teu texto! Demais!
Oi Clarissa,
Acho que a comida se torna “comida” quando nos satisfaz. Quando é boa e prazeirosa. Simples, talvez até redundante, mas acho que é assim. Eu estou na categoria dos que viajam “também” para comer.
E fazer uma paella é uma arte, dá um trabalhão… 😉
Abs!